Investir as economias de décadas de trabalho na maior franqueadora do Brasil. O plano parecia infalível para o casal João e Maria (nomes ficíticios utilizados para preservar a identidade) quando decidiram montar uma loja da Cacau Show em um mall de Eusébio, na Região Metropolitana de Fortaleza.
A história, entretanto, teve um fim amargo: prejuízo estimado em R$ 1 milhão e uma luta com a franqueadora para se livrar do negócio.
O INÍCIO DOS PROBLEMAS
No início de 2023, o casal investiu cerca de R$ 240 mil em uma loja smart, o modelo de franquia Cacau Show intermediário, maior que um quiosque. João lembra que tudo parecia correr bem e os dois eram frequentemente convidados para auxiliar outros franqueados, como modelo de empreendedores.
Entusiasmados com o sucesso, foram convidados a abrir um quiosque da loja de chocolates, dessa vez em um shopping de Fortaleza.
“Um funcionário de confiança da Cacau Show, a nível regional, propôs uma sociedade com a esposa dele, porque ele não podia entrar na sociedade por ser funcionário. Nossos números pareciam perfeitos, estávamos aparecendo como referência de desenvolvimento, então pensamos 'por que não?'”, explica o ex-franqueado.
João conta que não tinha expectativas prematuras para o sucesso do quiosque, já que é preciso esperar a maturação do negócio, mas notou constantes baixas no caixa da loja.
Após apuração interna, identificaram que o desvio era realizado pelo próprio funcionário da Cacau Show, sem conhecimento da esposa, sócia de João.
“Confrontamos e primeiro ele (funcionário da Cacau Show) negou, depois disse que ia pagar. Mas nada. Então, para não atrair uma má imagem para os negócios, optamos por discretamente comunicar a Cacau Show o que tinha acontecido”, conta.
FALTA DE ABASTECIMENTO
O ex-franqueado afirma que a Cacau Show desligou o funcionário, mas tomou uma atitude surpreendente: exigiu que eles pagassem os valores desfalcados no golpe.
“Tentamos negociar, mas não houve nenhuma abertura, somente a cobrança desses boletos. Talvez um empréstimo no banco tivesse resolvido, mas como o CPF da minha esposa estava nas duas empresas, a Cacau Show considerou tudo aquilo como um grupo e bloqueou as duas lojas”, afirma.
Até então um sucesso de vendas, a loja de Eusébio foi bloqueada pela franqueadora e não recebeu a mercadoria para o Natal de 2023, um momento crucial para garantir o faturamento de meses.
A sorte do casal foi que uma loja da região não conseguiu abrir a tempo das festas de fim de ano e vendeu a mercadoria que já havia chegado para a unidade de Eusébio.
A situação perdurou até o início de 2024, quando os empreendedores conseguiram desvincular as duas lojas, repassaram o quiosque e reativaram a unidade de Eusébio.
“Tivemos que desistir do quiosque, repassando para outro franqueado, mas todo o processo é controlado pela franqueadora, como se tomasse e vendesse de novo. A questão que com a inflexibilidade diante do problema, as contas acumularam e o valor do quiosque não foi suficiente para cobrir as dívidas”, lamenta.
A Cacau Show afirma, em nota enviada ao Diário do Nordeste, que o respeito e a ética são valores fundamentais de seu relacionamento com os franqueados.
“Levamos todas as manifestações dos franqueados muito a sério e contamos com uma equipe especializada para atendimento e suporte. Trata-se da maior franqueadora do Brasil, e com a maioria dos parceiros com mais de sete anos de relação comercial conosco”, destaca a empresa.
VENDA DE LIVROS DE ALÊ COSTA
João e Maria tentaram seguir adiante com sua primeira loja, mas a 'paz' não durou muito tempo. Enfrentaram um novo desabastecimento de produtos, dessa vez um problema que também teria atingido outras franquias.
A entrega dos chocolates foi retomada depois de cerca de um mês, mas em uma escala maior do que poderiam absorver. “Quando finalmente começaram a fornecer de novo, foi gigantesco. E os boletos referentes a essa entrega foram gigantescos também, impossível de pagar”, lembra.
Além da quantidade excessiva, a franqueadora enviou produtos que não tinham uma porcentagem de venda significativa. Um dos casos mais emblemáticos foi o recebimento de livros de Alexandre Tadeu da Costa, também conhecido como Alê Costa, fundador e CEO da Cacau Show.
“Na teoria, pelo contrato, o franqueado decide os produtos. Mas eles têm uma ferramenta de inteligência artificial que decide pelo franqueado. O que acontece que essa ferramenta empurra coisas que você não vende. Nós fomos obrigados a receber caixas e caixas do livro do Alê Costa”, lembra.
Segundo a Cacau Show, a empresa utiliza um sistema de reposição inteligente que analisa o giro, a performance e o estoque individual de cada loja para garantir que o mix de produtos esteja completo e as lojas sempre abastecidas.
“Sobre prazos de validade, se, eventualmente, constatado qualquer equívoco, existe política própria, de amplo conhecimento dos franqueados, para devolução do produto”, diz a empresa.
O ex-franqueado ressalta que a relação com a empresa foi se tornando cada vez mais insustentável.
Conforme João, um funcionário da empresa chegou a ir até a loja para recomendar que eles parassem de reclamar com a franquia, pois 'não teriam como se defender'.
'TAXA DO CACAU' E PROBLEMAS NO BALANÇO FINANCEIRO
À medida que o franqueado reivindicava melhores condições e reclamava de ações adotadas pela Cacau Show, percebia que era alvo de retaliações. Uma das represálias era o envio de chocolates avariados ou próximos ao vencimento.
O empresário também se queixa da criação de taxas sem explicação, como a 'Taxa do Cacau' - cobrança adicional implementada pela empresa em 2024 devido à alta do produto no mercado internacional.
“A franqueadora achou por bem cobrar retroativamente o cacau que tinha utilizado para os produtos que já havíamos vendido. Foi uma taxa de 'quebrar' todo mundo. Nós recebemos boletos de R$ 20, R$ 30 mil”, acrescenta.
Os problemas financeiros do negócio só pioraram com as novas contas. O casal chegou a contratar empréstimos para reforçar o capital de giro, mas não obteve sucesso.
A Cacau Show afirma que todas as taxas são previstas em contrato e comunicadas previamente.
“O que ocorreu foi valor incrementado no preço final do produto, não uma taxa – ação necessária para proteger nossa rede da alta histórica do cacau como commodity, que chegou a variar mais de 300% nos últimos dois anos”, diz a empresa.
A última tentativa de retomada dos lucros foi a Páscoa de 2024. João aponta que a loja obteve um grande número de vendas, mas a performance não teve reflexo no caixa da empresa.
"Desconfiamos de funcionários, da companhia de cartão de crédito, do banco, mas nada. Então mandamos fazer um balancete detalhado e descobrimos que as contas do sistema interno são falsas. Tem um artifício contábil que faz parecer que está tendo lucro, mas no caixa não sobra dinheiro."
Ex-franqueado da Cacau Show
O ex-franqueado afirma que a análise independente identificou que cerca de R$ 15 mil 'sumiam' do caixa todos os meses, o que não era explicado pelo sistema da franquia.
Considerando também todas as contas para se desligar da marca de chocolates, impostos e a rescisão dos funcionários, João estima um prejuízo de R$ 1 milhão.
SEIS MESES PARA SE LIVRAR DO NEGÓCIO
Após perceber a suposta fraude financeira, em maio de 2024, os empreendedores decidiram que não teriam como continuar insistindo no negócio.
Contataram a Cacau Show para informar que encerrariam a parceria e começaram uma nova saga de negociações com a empresa.
Só conseguiram deixar oficialmente a franquia em novembro daquele ano. Em parte desse período, a loja deixou de ser abastecida, mas ainda era necessário pagar taxas de publicidade e royalties (taxa pelo direito de usar a marca).
Assim como no quiosque, o repasse da loja trouxe outro prejuízo para os empresários, já que o espaço foi vendido por um valor menor que o investimento inicial.
A decepção dos empreendedores do Ceará não é única. Nas últimas semanas, estão sendo divulgadas inúmeras denúncias de franqueados de todo o Brasil.
João participa da mobilização e torce para que outros franqueados do negócio consigam sair da franquia e receber seus direitos. Além do impacto financeiro, ele lamenta os prejuízos à saúde mental dos envolvidos.
“É uma surpresa descobrir que o negócio nunca foi rentável, que, na verdade, você sempre esteve colocando dinheiro para garantir a operação. Você acha que não presta para nada, que não entendeu nada, que é o mais burro da face da terra. Mas isso passa quando vê que não foi você, que aconteceu com outras centenas de lojas”, lamenta.
'DOCE AMARGURA'
O perfil no Instagram 'Doce Amargura', criado por uma representante da união de franqueados da Cacau Show, tem compartilhado dezenas de relatos de empreendedores frustrados.
Assim como João, os empresários alegam que foram prejudicados pelo envio de produtos sem condições para venda, taxas abusivas e retaliações em caso de reclamações com a Cacau Show.
Há também relatos de que a gestão da empresa, sobretudo Alê Costa, promovia rituais constrangedores e humilhações públicas. As denúncias foram recolhidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
O documento, obtido pelo portal Metrópoles, denuncia atos de homofobia, gordofobia, assédio moral e sexual. Há denúncia de que o CEO da Cacau Show 'proibia' as funcionárias de engravidar.
Em comunicado oficial, a empresa afirmou que foi surpreendida por 'publicações inverídicas', que representam 'ataques injustos'.
Fundada em 1988 por Alexandre Costa, a marca de chocolates tem quase 5 mil lojas em todo o Brasil, com investimento inicial a partir de R$ 64,9 mil. A empresa também trabalha com o sistema de venda direta.
VEJA NOTA DA CACAU SHOW NA ÍNTEGRA
A Cacau Show tem como valor fundamental o respeito e a ética no relacionamento com todos os seus parceiros. Levamos todas as manifestações dos franqueados muito a sério e contamos com uma equipe especializada para atendimento e suporte. Trata-se da maior franqueadora do Brasil, e com a maioria dos parceiros com mais de sete anos de relação comercial conosco, um reflexo da solidez e transparência da nossa parceria.
Todos os contratos com franqueados são assinados após leitura e concordância mútua, com cláusulas transparentes que detalham as responsabilidades de ambas as partes.
Quanto a envio de produtos, utilizamos um sistema de reposição inteligente que analisa o giro, a performance e o estoque individual de cada loja para garantir que o mix de produtos esteja completo e as lojas sempre abastecidas, facilitando o atendimento ao consumidor. Sobre prazos de validade, se, eventualmente, constatado qualquer equívoco, existe política própria, de amplo conhecimento dos franqueados, para devolução do produto.
Todas as taxas são previstas em contrato e comunicadas previamente aos franqueados, garantindo transparência e segurança para ambas as partes. Não existe “taxa do cacau”.
O que ocorreu foi valor incrementado no preço final do produto, não uma taxa – ação necessária para proteger nossa rede da alta histórica do cacau como commodity, que chegou a variar mais de 300% nos últimos dois anos – valor este que foi 100% destinado para pagarmos nossos fornecedores de insumos para produzirmos os produtos vendidos nas lojas.
O contrato de franquia prevê opções claras para o encerramento da parceria a pedido do franqueado, mesmo durante sua vigência, sem incidência de multa: em uma janela no décimo segundo mês de funcionamento da loja, bem como no final do período do contrato padrão de 30 meses.
Por fim, em uma rede de franquias com a dimensão da Cacau Show, que possui milhares de unidades, é natural que surjam questionamentos e divergências contratuais ou operacionais. Isso faz parte da dinâmica de qualquer grande empresa que opera nesse modelo de negócio com franqueadas. A Cacau Show sempre se coloca à disposição de franqueados para diálogo e busca por soluções mútuas.