Após conquistar o Oscar com Parasita, Bong Joon-Ho retorna com Mickey 17, uma adaptação de um livro de 2022 que mescla ficção científica, humor ácido e crítica social. O filme confirma a habilidade do diretor em subverter gêneros, embora revele tensões entre sua visão autoral e as demandas de Hollywood.
Bong mantém sua tradição de satirizar estruturas de poder, agora em um contexto espacial. A trama, que pode ser definida como uma maluquice bem calculada, navega por comédia romântica, suspense e terror sem perder o foco na crítica a líderes autoritários (encarnados por Mark Ruffalo) e à exploração laboral disfarçada de progresso tecnológico. A dualidade de Robert Pattinson — que interpreta duas versões do mesmo personagem com nuances contrastantes — simboliza conflitos éticos, reforçando temas como identidade e desumanização.
Pattinson é o coração do filme, alternando entre vulnerabilidade e ironia, com um sotaque peculiar que acrescenta camadas à narrativa. Ruffalo e Toni Collette brilham como caricaturas de elites desconectadas, enquanto Steven Yeun, Anamaria Vartolomei e Naomi Ackie oferecem profundidade emocional à trama secundária. A química entre os atores equilibra o tom absurdo da história.
Bong demonstra domínio técnico ao intercalar sequências surrealistas (como clones em situações kafkianas) com discussões filosóficas. A fotografia claustrofóbica e a trilha sonora dissonante remetem a seu trabalho anterior, mas aqui ganham um ar mais experimental, quase cósmico.
O principal ponto fraco é a perceptível influência do estúdio para suavizar a ousadia de Bong. Cenas mais políticas parecem editadas para evitar polêmicas, e certas escolhas narrativas soam convencionais — um contraste com a irreverência de Parasita. Ainda assim, o filme evita clichês do sci-fi hollywoodiano, mantendo um pé na estranheza característica do diretor.
Mickey 17 não é tão afiado quanto Parasita, mas propõe debates urgentes: até onde a ciência pode ignorar a ética em nome da eficiência? Como o capitalismo distorce relações humanas? Bong usa o absurdo para questionar realidades, deixando ao espectador a tarefa de rir — e se incomodar. Uma obra imperfeita, porém fascinante, que prova que Bong Joon-Ho continua imprevisível. Entre o caos e a genialidade, o filme é um convite a repensar o futuro, e o presente.
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