No momento que escrevo esse texto, já se passou uma semana desde que aconteceu a cerimônia do Oscar de 2025, um momento que poderia ter sido marcado de uma maneira unanimemente linda, mas infelizmente, a repercussão por parte de uns tornou o resultado agridoce. Sei que o mais lógico seria ter falado disso mais próximo de quando ocorreu o evento, mas achei melhor deixar para falar agora, que aparentemente os ânimos de todos estão mais calmos.
Para começar o papo aqui, quero sair do espectro do cinema e relembrar um acontecimento que creio que grande parte do Brasil acompanhou há quase 11 anos. No dia 04 de julho de 2014, a seleção brasileira de futebol, pela Copa do Mundo, enfrentou a Colômbia, em partida que foi realizada, inclusive, na Arena Castelão, em Fortaleza. O Brasil venceu essa partida pelo placar de 2 a 1, com direito a um gol marcante de falta realizado por David Luiz, que cravou a classificação para as semifinais, e bom, creio que você lembre o que aconteceu depois disso (E lá vem eles de novo…)
Nessa mesma partida, o jogador Neymar Jr. sofreu uma fratura na vértebra lombar, após uma dividida de bola com o zagueiro colombiano Zúñiga, o que deixou todos preocupados, considerando que Neymar era a peça-chave daquele time. Lances como esse são mais comuns do que parece no futebol, mas como na Copa do Mundo, a frequência de pessoas que não acompanham o esporte assistindo a competição aumenta consideravelmente, a internet jogou uma onda de ódio nas redes sociais do jogador, indo baixo ao ponto de atacar a filha de Zúñiga com ofensas racistas.
Com isso posto, agora sim, volto para o cinema. A temporada de premiações 2024-2025 foi marcada pelo fenômeno Ainda Estou Aqui, o filme de Walter Salles protagonizado por Fernanda Torres que alcançou um feito histórico para o cinema brasileiro, garantindo o primeiro Oscar da história do Brasil, na categoria de Melhor Filme Internacional. O longa ainda concorria em outras duas categorias, a de Melhor Filme e Atriz para Fernanda Torres, que acabou indo, respectivamente, para Anora e Mikey Madison.
A vitória de Filme Internacional foi linda, rendendo diversos vídeos celebrando a conquista pelo Brasil, e inclusive fora dele, já que os mexicanos celebraram o polêmico Emilia Pérez ter perdido nessa categoria, mas, se estou escrevendo isso, é porque essa bela melodia ficou fora do tom em algum momento. Mikey Madison venceu e deixou muita gente chocada, já que o favoritismo parecia ser entre Demi Moore (A Substância) e Fernanda Torres, mas Madison acabou levando, se tornando a segunda atriz nascida na década de 1990 a levar o prêmio, se juntando a Jennifer Lawrence. O prêmio foi mais um dentre os cinco que Anora levou para casa, dentre Roteiro Original, Edição, Direção (Sean Baker), e fechando o combo, Melhor Filme.
A reação da internet, é claro, foi imediata. As pessoas começaram a falar que Mikey e Anora não mereciam levar tantos prêmios, especialmente, onde Ainda Estou Aqui também estava concorrendo, o que é normal, faz parte de qualquer competição, mas todo e qualquer limite foi ultrapassado quando o foco já não era mais falar se havia um merecimento na performance de Mikey ou o filme em si, mas sim rebaixar a atriz a um status quase como se ela nem fosse um ser humano.
Nesses últimos sete dias, vi comentários tão machistas e misóginos proferidos pela internet brasileira a Madison que realmente nem prefiro detalhar aqui, e isso me deixou triste e francamente, envergonhado. Que ideia a gente passa para o resto do mundo tendo esse tipo de comportamento em uma premiação tão importante como o Oscar? O prêmio possui suas particularidades que validam a necessidade de críticas, mas ainda sim, é o prêmio mais importante do cinema. Ainda que Anora seja um filme estadunidense, sua vitória é importante principalmente para a cena independente de produções cinematográficas, cujo um dos rostos que a representam é Sean Baker. Ter uma produção independente vencendo o Oscar traz benefícios, inclusive, para o nosso mercado. E não confunda as coisas, já que não é porque o filme foi feito sem precisar da mão de um grande estúdio que necessariamente ele foi feito com poucos recursos.
Não vou entrar em méritos aqui se o filme merecia ou não levar a maioria das categorias que faturou, até porque acho que esse debate não cabe aqui. O que quero enfatizar é esse tipo de retaliação que houve especialmente em cima de Mikey Madison. Tudo bem você não achar que a atuação dela deveria ter vencido, mas acima de qualquer coisa, é necessário lembrar que ser atriz é um trabalho, e algo que Mikey fez questão de deixar claro todas as vezes que ganhou um prêmio por Anora nessa temporada, foi de dar luz às profissionais do sexo, parcela essa da população que nem preciso lhe explicar que são maginalizadas pela sociedade, pauta que Sean Baker frequentemente aborda em suas obras. Madison esteve em muito contato com elas para pesquisar seu papel no filme, fazendo sempre questão de falar sobre elas, e tudo isso de maneira bastante respeitosa.
Se por um lado acusaram o Oscar de ter sido etarista por não terem dado o prêmio a Demi Moore, reforçando a crítica de A Substância, por outro, trataram Mikey exatamente como sua personagem Ani é vista pelas classes sociais acima dela na trama, o que só reforça a crítica que o filme quer pôr para jogo. Fico pensando o que teria acontecido se Pamela Anderson tivesse sido indicada nessa categoria e vencido por ‘’The Last Showgirl’’, visto o histórico dela como sex symbol em Hollywood e por ter sido uma das mais longevas modelos da Playboy, sendo a recordista de capas da popular revista de entretenimento erótico.
Essa temporada de premiações teve um engajamento muito forte no Brasil, visto que há muito tempo não tínhamos uma presença tão forte e com reais chances de ganhar, então era de se esperar que haveria um envolvimento maior por parte de pessoas não acostumadas a acompanhar essa movimentação que dura meses. Lembro de ouvir Evandro de Freitas, um dos apresentadores do meu podcast favorito, 99 Vidas, dizer uma vez que ‘’brasileiro não gosta de torcer, gosta de ganhar.’’, e eu não poderia concordar mais com essa afirmação.
Não podemos, em hipótese alguma, esquecer da linda campanha que Ainda Estou Aqui fez, rendendo, inclusive, o Globo de Ouro inédito de Atriz em Filme de Drama para Fernanda Torres, que rendeu um momento inesquecível e um belo discurso como todos esperávamos que Torres faria. E claro, vencemos o Oscar! Vocês têm noção disso? Essa vitória é histórica, mas parece que não foi nada demais para algumas pessoas. Isso me fez lembrar também toda a discussão que teve em cima de dizer que se o Brasil perdesse o Oscar, tava tudo bem porque nosso país não precisa receber um prêmio estrangeiro para reconhecer a qualidade de nosso cinema, e eu concordo, mas também penso como uma vitória dessa magnitude iria dar o empurrão que nosso mercado audiovisual precisa dentro e fora do país, e não se pode ficar cego perante à importância disso. Vocês precisam decidir se querem que o Oscar seja tratado como validação ou reconhecimento. Walter Salles, quando recebeu o prêmio, agradeceu, claro, toda a produção e elenco do filme, assim como Fernanda Montenegro, que esteve com ele no Oscar 25 anos atrás. Na coletiva após o evento, Walter falou que o prêmio não era apenas para o filme, mas para mostrar para todos o valor e riqueza de nosso cinema, o que só demonstra que Salles entende a estatueta como reconhecimento, que também é o lado que estou.
O perfil do Instagram do Oscar se viu obrigado a restringir as publicações relacionadas ao prêmio de Atriz e Melhor Filme para o Brasil, já sabendo o que viria acontecer, e ainda bem que Mikey não tem redes sociais, pois esse episódio vergonhoso poderia ter sido ainda maior. A situação escalonou a ponto da própria Fernanda ter que falar em uma coletiva que as pessoas parassem de atacar Madison na internet, pois ela era uma mulher incrível e muito profissional. Ainda sim, isso não foi suficiente, pois colegas de profissão de Torres começaram a apresentar argumentos cada vez mais sem sentido como uma forma de tentar a qualquer custo estabelecer essa narrativa de vitória injusta para a atriz de Anora.
Sem falar que, ainda no tapete vermelho no Oscar, Ana Furtado achou de bom tom realizar uma zoação com o cinema argentino, algo que foi reprovado pelo próprio Marcelo Rubens Paiva (autor de Ainda Estou Aqui), e que demonstra uma falta de conhecimento sobre a importância que a Argentina teve pavimentando, inclusive, um caminho para que o Brasil pudesse estar presente no Oscar, e ganhar um prêmio. Esse comentário se torna ainda mais infeliz em um ano que tivemos como o filme mais indicado, Emilia Pérez, um longa completamente desrespeitoso e de mau gosto com a rica cultura mexicana, logo, esse era o momento crucial da América Latina se unir e valorizar mais ainda histórias contada sobre nós, e por nós.
Por fim, encerro essa reflexão fazendo um apelo para que os próximos capítulos que virão do nosso cinema sendo cada vez mais reconhecido pelo mundo todo sejam menos agridoces por parte da recepção do público. Somos amplamente conhecidos por sermos um povo caloroso e acolhedor, e mais do que nunca, devemos aprender a sermos assim em todos os âmbitos que competimos, pois mesmo que isso não mude resultados, melhora nossa reputação. Não adianta depois reclamar sobre como as pessoas de fora nos enxergam se nós mesmos não fazemos por onde. Mas estou envergonhado com as coisas que eu vi, mas não vou ficar calado, no conforto acomodado, como tantos por aí. É preciso dar um jeito, meu amigo.
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