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O Pior dos Tempos: IA, trilionários e o feudalismo que ainda podemos decompor

Imagine viver em uma era onde um único homem alcança a marca de trilionário, enquanto bilhões de pessoas enfrentam dificuldades cada vez maiores para pagar contas, comprar comida ou simplesmente viver com dignidade. Bem-vindos ao século XXI, onde a riqueza se concentra em níveis inimagináveis, ao mesmo tempo em que crises econômicas históricas são esquecidas e a desigualdade atinge recordes.

14/02/2025 07h30 Atualizada há 4 semanas
Por: Clara Santos
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Este texto é um convite para compreender como chegamos a esse ponto, por que a romantização das inteligências artificiais acelera esse colapso e por que a antropologia xenofeminista pode ser uma ferramenta essencial para corrigir esse curso catastrófico.

Para entender a obscenidade da existência de um trilionário, precisamos voltar um pouco no tempo. Durante a Revolução Industrial, a acumulação de capital explodiu com o crescimento de corporações e monopólios. A crise de 1929 foi um aviso do que acontece quando o mercado se descontrola sem regulamentação adequada, levando a um colapso global. Mas o que fizemos? Criamos mecanismos para segurar a economia por um tempo, mas nunca resolvemos a raiz do problema: a acumulação massiva de riqueza.

Os anos 1970 trouxeram outra reviravolta com a ascensão do neoliberalismo, que desmantelou proteções sociais e fortaleceu a ideia de que o mercado deveria se autorregular. Isso resultou em crises menos faladas, mas devastadoras, como a crise da dívida latino-americana dos anos 1980, que jogou países inteiros na miséria e os tornou dependentes do FMI e do Banco Mundial. Da mesma forma, a crise financeira asiática de 1997 colapsou economias emergentes e forçou intervenções brutais que beneficiaram apenas investidores estrangeiros.

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Quem realmente pagou por essas crises? As populações indígenas da América Latina, que perderam territórios para grandes projetos extrativistas sob justificativa de "recuperação econômica". Trabalhadores rurais africanos, que viram o custo de vida disparar enquanto empresas estrangeiras compravam terras a preços irrisórios. Comunidades asiáticas que sofreram com o desmantelamento de políticas públicas enquanto seus governos adotavam medidas de austeridade impostas por organismos financeiros internacionais.

A ascensão das big techs e a transformação da economia em um cassino global culminaram na explosão da desigualdade que vemos hoje. Elon Musk pode ser o primeiro trilionário, mas não será o único. À medida que essas megacorporações crescem e se fundem, os bilionários se tornam dinastias corporativas que dominam o mundo, enquanto o trabalhador comum luta para manter-se vivo.

A inteligência artificial, ao contrário do que se esperava, não democratizou o conhecimento nem trouxe maior justiça econômica. Pelo contrário, está sendo usada como uma ferramenta de acumulação de riqueza nas mãos dos já ultra-ricos. O setor artístico é um dos mais afetados, com grandes empresas substituindo mão de obra criativa por IA generativa, que lucra com conteúdo produzido a partir de bancos de dados exploratórios. Artistas, escritores e profissionais criativos se veem cada vez mais pressionados a competir com algoritmos que reproduzem sua própria criação sem remuneração justa.

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O impacto da IA na precarização do trabalho vai além do setor criativo. Serviços antes realizados por humanos, como suporte ao cliente, tradução, revisão de textos e até diagnósticos médicos, estão sendo substituídos por modelos de IA que reduzem drasticamente os custos para empresas, mas destroem postos de trabalho e desvalorizam a expertise profissional. Em vez de libertar a humanidade de tarefas exaustivas, a IA está sendo usada para aumentar a exploração laboral e transferir riqueza para as megacorporações que controlam essa tecnologia.

Além disso, a expansão dessas tecnologias não é neutra: ela avança destruindo modos de vida inteiros. Povos tradicionais que dependem da transmissão oral de conhecimento veem suas histórias e práticas serem transformadas em bancos de dados para empresas que lucram sem sequer reconhecer suas contribuições. Línguas indígenas são absorvidas por modelos linguísticos de IA e usadas para fins comerciais sem qualquer reparação para as comunidades que as preservam.

Outro aspecto alarmante da massificação da IA é seu uso para monitoramento de massas. Sistemas de vigilância impulsionados por IA estão sendo implementados por governos autoritários e empresas privadas para rastrear e controlar populações. O reconhecimento facial, os algoritmos preditivos e a mineração de dados pessoais criam um cenário distópico onde cada movimento é registrado, analisado e potencialmente utilizado para repressão social. O que antes era ficção científica agora se torna um instrumento de controle político e econômico.

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Aí entra o xenofeminismo, um conceito que precisa urgentemente ser revisitado. O xenofeminismo propõe uma abordagem materialista para o uso da tecnologia como ferramenta de emancipação, e não de opressão. Se as corporações dominam a IA, precisamos de um movimento que a reivindique para fins sociais, redistributivos e coletivos. Mas isso exige uma compreensão profunda da relação entre economia, tecnologia e poder.

A xenofeminista Helen Hester argumenta que não basta apenas criticar as tecnologias emergentes, é preciso reapropriá-las para criar novos espaços de justiça social e econômica. Isso significa que movimentos de trabalhadores precisam ser fortalecidos, que tecnologias não podem ser monopolizadas, e que as novas gerações devem aprender a questionar o uso que se faz da IA e das plataformas digitais.

O xenofeminismo também propõe uma reconexão com a antropologia da resistência, estudando como culturas historicamente marginalizadas desenvolveram formas de lutar contra a exploração e o domínio tecnológico. As estratégias de resistência dos povos indígenas, das comunidades negras e das populações periféricas ao redor do mundo devem ser reconhecidas como alternativas válidas para enfrentar o monopólio das megacorporações e das elites tecnológicas.

A história econômica é cíclica, mas isso não significa que devemos aceitá-la como destino inevitável. O surgimento do primeiro trilionário não é um marco de progresso, é um símbolo da falha sistêmica de um modelo econômico que concentra riqueza enquanto destrói a vida da maioria.

A romantização da IA e da automação como soluções para o futuro é um veneno disfarçado de cura. Precisamos urgentemente questionar quem controla essas tecnologias, a quem elas servem e como podemos ressignificá-las para um futuro que não seja apenas um reflexo das desigualdades do passado.

Se quisermos evitar um colapso ainda maior, devemos recuperar a história perdida das crises econômicas, expor os erros que nos trouxeram até aqui e buscar alternativas que priorizem as pessoas, e não os trilionários.

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