A pré-produção de O Aprendiz já é digna de um roteiro de comédia: um dos produtores executivos, simpatizante de Donald Trump, investiu no filme acreditando que ele glorificaria o presidente dos EUA. No entanto, o diretor iraniano Ali Abbasi tinha outros planos. O resultado é uma cinebiografia que mergulha nas origens de uma das figuras mais polêmicas da história recente, revelando como o homem por trás do ‘’mito’’ foi moldado por ambição, mentiras e influências questionáveis.
Ambientado em uma estética vintage propositalmente ultrapassada, o filme retrata o jovem Donald Trump (Sebastian Stan) muito antes de ele se tornar uma figura global. Stan, que já provou seu talento em transformações impressionantes em Eu, Tonya (2017) e Pam & Tommy (2022), entrega uma performance fascinante. Ele captura a essência de um Trump ainda em formação, mostrando como sua personalidade excêntrica e métodos pouco convencionais foram forjados desde cedo. Filho do empresário Fred Trump, Donald entra no mundo dos negócios com a ambição de superar o legado do pai, mas sua trajetória é marcada por atalhos e parcerias duvidosas.
O mentor de Trump, o advogado Roy Cohn (Jeremy Strong), é uma das figuras mais intrigantes do filme. Strong, conhecido por sua atuação brilhante em Succession, rouba a cena com um personagem que personifica a ética distorcida que moldaria o futuro magnata. Cohn ensina a Trump lições como "nunca admita que está errado" e "sempre leve uma mentira até o fim", conselhos que ecoam claramente na carreira empresarial e política do presidente. A dinâmica entre os dois é um dos pilares do filme, mostrando como Cohn foi fundamental na construção do "método Trump".
O longa também explora o lado pessoal de Trump, incluindo seu conturbado casamento com sua primeira esposa, Ivana (Maria Bakalova), e sua relação complicada com o irmão, que lutou contra o abuso de drogas. Essas subtramas humanizam a figura de Trump, mas sem jamais romantizá-la. Abbasi mantém um equilíbrio delicado entre a sátira e a análise psicológica, evitando cair na caricatura fácil.
A escolha estética de Abbasi é um dos grandes trunfos do filme. Ao filmar as cenas com um estilo que remete ao reality show O Aprendiz, o diretor cria uma sensação de voyeurismo, como se estivéssemos testemunhando os bastidores da construção de uma figura pública. A fotografia e a direção de arte reforçam essa atmosfera, transportando o espectador para os anos 1970 e 1980 com um toque de nostalgia distorcida.
No entanto, o filme não é perfeito. O segmento final, que sugere os primeiros indícios do interesse de Trump pela presidência, não parece concluir o enredo de maneira satisfatória. Além disso, alguns personagens secundários, como Ivana, poderiam ter sido mais desenvolvidos para agregar profundidade à trama.
Vale ressaltar que Trump assistiu ao filme e fez questão de dizer o quanto detestou tudo. Nas redes sociais, o empresário e presidente dos EUA disse, na época que lançou:
''Um filme falso e sem classe sobre mim. Uma obra difamatória lançada pouco antes das eleições como uma forma de manchar o maior movimento político da história de nosso país (Make America Great Again). Minha ex-mulher, Ivana, foi uma mulher gentil e maravilhosa, e tive uma ótima relação com ela até o dia de sua morte. O roteirista desse monte de lixo, Gabe Sherman, é um canalha sem talento que sabia disso, mas escolheu ignorar.’’
O Aprendiz é uma obra corajosa. Abbasi não apenas expõe as origens de Trump, mas também reflete sobre como figuras como ele são moldadas por um sistema que recompensa a ambição sem escrúpulos. Com uma boa atuação de Sebastian Stan e uma direção afiada, o filme é uma sátira inteligente e um retrato perturbador de um dos homens mais influentes – e controversos – do nosso tempo.
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