Se, por um lado, essas figuras dizem amar o Brasil e seus símbolos, por outro, as atitudes revelam uma realidade de profundo descompasso entre discurso e prática. Não há amor à pátria quando se levantam bandeiras estrangeiras, como as de Israel ou dos Estados Unidos, enquanto se negligenciam as questões cruciais da cultura e da identidade nacional.
Em vez de se orgulharem da riqueza cultural do Brasil, o patriotismo bolsonarista se apoia em um emblema vazio que exalta ideologias externas, ao mesmo tempo em que desqualifica a arte local, a produção cultural autêntica e os saberes populares. Dentro desse cenário contraditório, o discurso do deputado Romeu Aldigueri (PDT), presidente eleito da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (ALECE), sobre a criação do programa "Ceará de Valores", representa uma das muitas tentativas de mistificar o conceito de patriotismo e de cultura no Brasil.
Aldigueri, ao afirmar que sua gestão à frente da ALECE tem como prioridade a "valorização da cultura, da arte, da história e dos valores cearenses", parece cair na armadilha do discurso superficial e das palavras-chave do momento, como "civismo", "patriotismo", "família" e "raiz". No entanto, as propostas para o programa não passam de uma reciclagem de clichês que ignoram as profundas questões sociais e econômicas que permeiam a cultura no Brasil, especialmente no Nordeste.
O "Ceará de Valores", que se pretende um programa de resgate da identidade cearense, parece mais uma tentativa de criar um simulacro de patriotismo que se esgota em discursos vazios. Ele usa as palavras que agradam aos que se posicionam politicamente como conservadores, mas sem qualquer compromisso real com a transformação das condições de vida da população cearense e com o fortalecimento da cultura local de maneira autêntica.
Como bem alertam os estudiosos da cultura e da política, o patriotismo deve estar atrelado ao compromisso com as demandas sociais e à defesa das pautas populares. Não é suficiente levantar a bandeira do Ceará ou do Brasil, se o que se faz, de fato, é negligenciar a luta por um país mais justo e igualitário. A crise cultural brasileira é sintomática do cenário mais amplo de um país que, desde a ascensão do neoliberalismo nos anos 1990, tem tentado a todo custo desviar suas atenções das questões estruturais em favor de um projeto de desenvolvimento que serve aos interesses das elites.
O exemplo mais claro disso são os ataques aos projetos de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet, que, sob o pretexto de combater a "mamata cultural", acabaram por enfraquecer a produção artística no país, ao reduzir a autonomia dos artistas e limitar as possibilidades de investimento público. Os bolsonaristas, com sua retórica moralista, sempre se posicionaram contra a cultura genuinamente popular, em nome de um tipo de "arte nacionalista" que nada mais é do que um reflexo do conservadorismo econômico e político que desejam implantar.
Mas o problema não é apenas uma questão de política cultural. O atual momento brasileiro exige uma reforma profunda nas estruturas econômicas e políticas do país. A proposta de criação de uma moeda digital brasileira, a Drex, é um exemplo claro dessa tentativa de, mais uma vez, dar uma solução fácil a problemas complexos.
Por trás da promessa de modernização e inovação financeira, o que se vê é uma proposta que, sem as devidas garantias de regulação e fiscalização, pode gerar uma série de brechas para crimes financeiros e golpes no sistema cibernético, além de ampliar a concentração de poder nas mãos de um pequeno grupo de tecnocratas.
Maria da Conceição Tavares, uma das maiores economistas do Brasil, sempre alertou sobre os perigos do modelo tecnocrático e neoliberal. Para ela, uma economia baseada na concentração de recursos nas mãos de poucos, e que ignora a necessidade de redistribuição de renda e de justiça social, não tem futuro.
Ela argumenta que, para o Brasil superar a sua histórica desigualdade, é necessário reformar o sistema de trabalho e a tributação, de modo a garantir um país mais justo e inclusivo. A introdução de tecnologias como a Drex, que pretendem tornar as transações financeiras mais "eficientes", pode, na realidade, ser um grande retrocesso, ampliando ainda mais a desigualdade e a precarização do trabalho.
Essa "economia digital" que se propõe sem o devido debate público e sem um arcabouço regulatório robusto, só serve para fortalecer os interesses das grandes corporações, dos bancos e das elites que controlam o capital. É um modelo que visa minimizar o impacto das políticas públicas sobre os ricos e maximizar a exploração dos mais pobres.
Se o Brasil continuar com esse modelo econômico, que privilegia a especulação financeira e a perpetuação das desigualdades sociais, corremos o risco de seguir o caminho de países que se tornaram dependentes de uma economia virtual, mas sem uma base sólida para garantir o bem-estar de sua população.
A estrutura econômica brasileira, por sua vez, é obsoleta. O sistema de trabalho, fundado em conceitos antiquados e com direitos trabalhistas constantemente atacados, é incapaz de dar conta da complexidade do mundo moderno. A crise do mercado de trabalho, com a precarização do emprego, o aumento do desemprego e a informalização do trabalho, exige uma reforma urgente.
Além disso, o modelo tributário brasileiro, extremamente regressivo, precisa ser modificado, de forma a garantir que os super-ricos paguem sua parte na manutenção do país. Aqui, entra a necessidade de uma revolução cultural, mais do que econômica. O Brasil precisa urgentemente de uma democratização intelectual, especialmente nos campos da economia, das ciências sociais e da política.
Não podemos continuar permitindo que o debate público seja dominado por um discurso tecnocrata que ignora as realidades sociais e culturais do país. Precisamos de mais educação, mais crítica, mais participação popular. A unificação de movimentos em torno dessas pautas, e a criação de uma nova narrativa para o Brasil, é a única maneira de conseguir uma mudança significativa e duradoura.
Além disso, é preciso olhar com mais atenção para a experiência internacional. Países que optaram por sistemas econômicos mais igualitários, como a Noruega, Suécia e Finlândia, têm demonstrado que é possível conciliar o crescimento econômico com a justiça social. O modelo de "escala 4x3", que propõe uma distribuição mais justa dos recursos, tem mostrado resultados muito mais positivos do que o sistema de acumulação exacerbada promovido pelo neoliberalismo.
O Brasil, ao adotar essas experiências, poderia dar um grande passo em direção à construção de um futuro mais justo e próspero para todos. O verdadeiro patriotismo não se mede apenas pelo amor aos símbolos ou pelo discurso de honra à pátria. O patriotismo verdadeiro é aquele que se traduz em ações concretas de valorização da nossa cultura, da nossa história, da nossa gente.
Patriotismo não é levantar bandeiras estrangeiras, mas sim fortalecer nossa identidade enquanto povo, respeitar nossas raízes e investir naquilo que é nosso: a educação, a arte, o trabalho e a dignidade humana. Somente com a tributação justa dos super-ricos, com o fim dos privilégios econômicos e a implementação de uma reforma trabalhista que atenda às reais necessidades da população, poderemos alcançar o equilíbrio social e econômico que tanto precisamos.
É hora de confrontar o patriarcado tecnocrático que tomou conta do país e de reverter os interesses egoístas de uma elite que, durante muito tempo, se alimentou da exploração do povo. Sem isso, o Brasil continuará a ser uma nação de desigualdades, e o verdadeiro patriotismo nunca passará de um discurso vazio.
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