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Brasil Cinema e sociedade

Gaiolas Humanas, Juventude Perdida e a Revolta Silenciosa: Uma Reflexão entre “Made in Hong Kong”, “La Haine”, o amplo cinema brasileiro e a realidade do Brasil.

O cinema, enquanto reflexo e crítica das tensões sociais, tem o poder de antecipar, expor e amplificar problemáticas que transcendem tempos e fronteiras.

05/12/2024 12h50
Por: Clara Santos
https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.filmfrasor.no%2Fen%2Ffilm%2F2021%2Fmade-in-hong-kong&psig=AOvVaw1h7MjbKT8x2q8ecsN8Q9n8&ust=1733502336513000&source=images&cd=vfe&opi=89978449&ved=0CBQQjRxqFwoTCOiW19CFkYoDFQAAAAAdAAAAABAE
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Em Made in Hong Kong (1997), Fruit Chan tece um retrato devastador da juventude pós-colonial em Hong Kong, projetando, de forma quase profética, os dilemas que hoje assolam a região, como as "gaiolas humanas" e a repressão política. Paralelamente, esse filme dialoga intensamente com a realidade brasileira, marcada pela negligência histórica, pela violência estrutural contra as comunidades periféricas e pela perpetuação de desigualdades que condenam gerações inteiras a uma existência precária.

Sob a lente crítica de Mark Fisher e seu conceito de "realismo capitalista", podemos entrelaçar essas narrativas, explorando como o capitalismo tardio molda realidades díspares, mas estruturalmente similares, como as de Hong Kong e das favelas brasileiras. Made in Hong Kong não é apenas um filme; é um grito de desespero. A juventude retratada por Chan vive à deriva em um limbo existencial, entre a promessa de modernidade do capitalismo e o abandono estrutural que ele gera.

O protagonista, Moon, e seus amigos habitam um mundo sem esperança, presos em apartamentos minúsculos, espaços que sequer permitem a dignidade. A menção à frase de Mao Tsé-Tung, “O mundo é de vocês, o futuro é de vocês. A esperança está na juventude”, soa, no contexto do filme, como uma ironia amarga diante de uma geração cuja capacidade de moldar o futuro foi sequestrada pelas mazelas sociais que persistem.

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Mark Fisher analisa que o realismo capitalista não apenas limita nossa capacidade de imaginar alternativas, mas transforma os sonhos de emancipação em ferramentas de opressão. A juventude em Made in Hong Kong é vítima dessa lógica: seu potencial é esmagado pelo peso da desigualdade e da incerteza, enquanto o sistema celebra falsamente o mérito e a oportunidade.

A realidade brasileira, sobretudo das favelas, apresenta um espelho trágico de Hong Kong. A formação das favelas é resultado direto da exclusão histórica e da negligência estatal, agravada pela urbanização caótica do século XX. Enquanto as elites construíam seus enclaves protegidos, a população marginalizada era empurrada para terrenos sem infraestrutura, vivendo em condições que lembram as "gaiolas humanas" de Hong Kong.

O descaso civil e policial com essas comunidades, amplamente documentado por Drauzio Varella em obras como Carandiru, revela como o sistema transforma as periferias em fábricas de exclusão. Varella descreve a superlotação carcerária como a consequência inevitável de uma sociedade que criminaliza a pobreza e fecha os olhos para a falta de acesso a direitos básicos. Nesse cenário, a juventude, como em Made in Hong Kong, é sacrificada.

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O cinema brasileiro tem denunciado essas realidades há décadas. O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla) desconstrói o mito do "bandido", ao transitar sua figura entre o crime e a popularidade, refletindo a alienação e o caos da sociedade urbana brasileira dos anos 60, mostrando a alienação e opressão sofridas pela juventude marginalizada. O Caso dos Irmãos Naves (Luiz Sérgio Person) expõe a violência judicial contra os pobres, enquanto Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho) denuncia as perseguições políticas e o abandono das populações camponesas. Essas obras ecoam as denúncias de Fruit Chan, apontando para um sistema que constantemente engole seus próprios filhos.

A superlotação carcerária é um sintoma evidente de um sistema falido. No Brasil, a maioria da população carcerária é negra, vítima de um sistema racista e desigual. Esse cenário é consoante à premissa do filme La Haine (1995), onde a juventude das periferias francesas vive em constante confronto com um Estado que deveria protegê-la. O filme de Mathieu Kassovitz é uma análise brutal das tensões raciais e sociais que transcendem o contexto francês, encontrando eco nas prisões brasileiras e na repressão às comunidades marginalizadas.

No coração de La Haine, há uma frase que ressoa como uma profecia: "Até aqui tudo bem. O problema não é a queda, mas o aterrissar." Mathieu Kassovitz captura o momento em que a tensão de décadas — entre o Estado e as periferias — ameaça explodir. A juventude marginalizada de Paris vive uma realidade de abandono, violência policial e desamparo estrutural, tão familiar ao contexto brasileiro quanto à tragédia de Made in Hong Kong.

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Esse conjunto de narrativas conecta continentes e épocas distintas, revelando que o verdadeiro conflito não está na diversidade de línguas ou culturas, mas na universalidade da opressão imposta pelo capitalismo tardio. Se, em Made in Hong Kong, Moon e sua geração são empurrados para as "gaiolas humanas" e para a desilusão de um futuro sequestrado, em La Haine, Vinz, Saïd e Hubert simbolizam o ponto de ruptura de uma juventude sufocada por forças externas.

No Brasil, essa mesma história se reconta em comunidades periféricas, onde a juventude negra e pobre enfrenta o encarceramento em massa e a violência estatal. Esses jovens vivem em favelas superlotadas, esquecidas pelo Estado e marcadas pela desigualdade racial e econômica. A frase de Kassovitz sobre a queda é, também, a metáfora perfeita para o ciclo de marginalização que atravessa países como o Brasil: uma sociedade que há muito caiu, mas continua ignorando o impacto.

No Brasil, como em La Haine, a presença policial nas comunidades periféricas não é mediadora, mas catalisadora de violência. Assim como Vinz e seus amigos em Paris são perseguidos por um Estado que os trata como inimigos, jovens brasileiros são alvos preferenciais de uma política de segurança que criminaliza a pobreza e ignora o racismo estrutural. O paralelo é inevitável quando olhamos para o que Drauzio Varella relatou em Carandiru: a superlotação das prisões é apenas um reflexo de uma sociedade que falhou em oferecer alternativas antes da criminalização.

Essa realidade dialoga com Cabra Marcado para Morrer e O Caso dos Irmãos Naves, denunciando um sistema que transforma vidas em estatísticas de encarceramento ou mortes violentas. La Haine, portanto, não é apenas um espelho da periferia europeia, mas um reflexo global das desigualdades que conectam os jovens de Hong Kong, Paris e São Paulo. É um manifesto que expõe como o capitalismo — em sua fase tardia e predatória — transforma a juventude em combustível descartável, alimentando um ciclo que perpetua o status quo.

Seja nas "gaiolas humanas" de Hong Kong, nos guetos franceses ou nas favelas brasileiras, a mensagem é clara: o sistema não foi construído para incluir. A partir desse ponto, aprofundar a análise é reconhecer que a violência não é apenas física, mas simbólica. Assim como Vinz empunha uma arma em um gesto desesperado de retomar controle, os jovens brasileiros recorrem a estratégias semelhantes, frequentemente caindo na criminalização que o Estado já, perversamente, previa para eles.

Enquanto isso, a sociedade ignora a raiz do problema: a falta de educação de qualidade, oportunidades de trabalho e moradia digna. A frase de Mao Tsé-Tung, citada em Made in Hong Kong, retorna aqui como uma lembrança amarga: a juventude tem potencial para mudar o mundo, mas apenas se tiver as ferramentas para tal. Em realidades como a brasileira, essas ferramentas são sistematicamente negadas.

A relação entre Made in Hong Kong, La Haine e o Brasil aponta para a necessidade urgente de romper esse ciclo. A solução passa por políticas públicas inclusivas, por uma educação que vá além de preparar para o mercado e pelo enfrentamento direto do racismo estrutural e da desigualdade social. Sem isso, a queda continuará, e o impacto será cada vez mais devastador.

As narrativas de Made in Hong Kong e dos filmes brasileiros mencionados nos convidam a pensar soluções que enfrentem as raízes estruturais desses problemas. É necessário investir em políticas públicas que priorizem a educação, a moradia digna e a reforma do sistema prisional. A desmilitarização da polícia e o fortalecimento de redes comunitárias são passos essenciais para devolver a dignidade às comunidades.

Além disso, a juventude precisa ser vista como potência transformadora, e não como ameaça. O Brasil precisa revisitar a frase de Mao Tsé-Tung – “A esperança está na juventude” – e transformá-la em ação concreta, proporcionando oportunidades reais para que os jovens transcendam as limitações impostas pelo sistema.

O cinema, em sua capacidade de escancarar feridas e sugerir futuros, nos lembra que o potencial de transformação está sempre presente. Assim como Made in Hong Kong encerra com a angústia de uma juventude sem futuro, também sugere, nas entrelinhas, que a revolução começa na percepção do próprio abandono. O mesmo vale para o Brasil: reconhecer as falhas do sistema é o primeiro passo para superá-las. Retomando Mao: "O mundo é de vocês. O futuro é de vocês. A esperança está na juventude."

O cinema, enquanto veículo de denúncia, lembra-nos que o problema é universal, mas também que a revolução começa com a consciência. É preciso garantir que essa esperança não seja uma promessa vazia, mas uma realidade concreta.

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