Desde cedo, meninos são socializados dentro de um modelo que privilegia a repressão emocional, a competição, a virilidade e o distanciamento de traços considerados “femininos”. Essas bases formam um ciclo nocivo que não apenas agrava a saúde mental dos homens, mas também prejudica seus relacionamentos e a sociedade como um todo.
A criação masculina, em muitos lares, segue um modelo de repressão afetiva e reforço de papéis de gênero rígidos. Teóricas como Bell hooks e Carol Gilligan destacam que a infância masculina é frequentemente marcada por um abandono emocional precoce. Meninos são ensinados a não chorar, a esconder seus sentimentos e a buscar validação através da força ou do desempenho. Essa negligência emocional cria adultos incapazes de lidar com suas vulnerabilidades, o que se manifesta em comportamentos de apatia, intolerância e, muitas vezes, violência.
Esse processo é intensificado pelos ciclos sociais masculinos, que reforçam valores de virilidade e poder. Muitas vezes, homens buscam pertencimento em grupos que validam a agressividade e a desumanização, perpetuando um modelo de masculinidade tóxica. Angela Davis, em suas análises sobre sistemas de opressão, aponta como a masculinidade dominante se alimenta do patriarcado, alienando homens de suas emoções e reforçando padrões de comportamento autodestrutivos.
O crescimento da cultura “incel” (abreviação de “involuntarily celibate”) exemplifica os danos dessa construção. Homens que se identificam como “incels” frequentemente culpam as mulheres e a sociedade por suas frustrações, ignorando as raízes internas de seus problemas. Essa subcultura é fruto de um isolamento emocional profundo e de uma incapacidade de construir laços afetivos saudáveis. Em vez de buscar ajuda ou transformação, muitos internalizam uma narrativa de ódio e resignação, normalizando a apatia e a inércia diante de seus próprios traumas.
Deleuze e Guattari, em O Anti-Édipo, criticam a maneira como a psicanálise tradicional patologiza o desejo masculino, enquadrando-o dentro de moldes repressivos. Para eles, a masculinidade contemporânea é uma construção profundamente limitada, que reduz os homens à função de agentes dominantes, desconectando-os de outras formas de expressão emocional e afetiva.
A saúde mental masculina também sofre com a falta de visibilidade sobre diagnósticos como transtorno borderline, anorexia e depressão. Homens com transtorno borderline, por exemplo, frequentemente apresentam sintomas diferentes das mulheres, como impulsividade extrema e explosões de raiva, o que dificulta o reconhecimento do problema. Da mesma forma, a anorexia masculina é subdiagnosticada, já que o transtorno é culturalmente associado a mulheres.
Psicanalistas como Julia Kristeva apontam que a repressão masculina é patológica, uma vez que transforma os homens em prisioneiros de uma ideia de força inatingível. Essa repressão também contribui para altas taxas de suicídio entre homens, que frequentemente sofrem em silêncio devido ao estigma de buscar ajuda.
A cultura pode oferecer reflexões valiosas sobre a desconstrução da masculinidade. No filme Masculino-Feminino (1966), de Jean-Luc Godard, vemos um retrato da juventude francesa em um momento de transformação cultural, onde os papéis de gênero são questionados. O protagonista, Paul, perdido entre seus desejos e as pressões sociais, ilustra a tensão entre os modelos tradicionais de masculinidade e as demandas de um mundo em mudança.
No cinema brasileiro, o filme Califórnia (2015) apresenta Carlos e JM, ambos personagens que desafiam as concepções tradicionais de masculinidade no contexto da redemocratização do Brasil após a ditadura de 1964. A relação de Carlos com sua sobrinha Estela e sua luta contra o HIV expõem a fragilidade, a sensibilidade e a vulnerabilidade como partes legítimas da experiência masculina, além do garoto JM que é rotulado como homossexual na escola por ser um jovem com um estilo não convencional, oferecendo um modelo alternativo ao estereótipo do homem forte e invulnerável.
É fundamental que a sociedade incentive a expressão emocional e artística entre os homens, afastando-se da binarização rígida entre “masculino” e “feminino”. Sadie Plant, em Zeros + Ones, aborda como as tecnologias e culturas binárias reprimem a diversidade e criatividade humanas, e isso se aplica também à saúde mental. Permitir que homens explorem áreas como a dança, a literatura e as artes plásticas, muitas vezes vistas como “femininas”, pode ajudar a criar espaços seguros para a autoexpressão.
Os desafios enfrentados pelos homens em relação à saúde mental não são problemas isolados; eles têm consequências profundas nos relacionamentos e, muitas vezes, recaem de forma desproporcional sobre suas parceiras. A dificuldade dos homens em reconhecer e tratar questões emocionais ou psicológicas pode gerar um ciclo de negligência afetiva e emocional que afeta diretamente as mulheres em suas vidas.
Muitos homens, influenciados por normas sociais que os incentivam a reprimir emoções, têm dificuldade em se comunicar de maneira aberta e vulnerável. Essa barreira emocional pode resultar em relacionamentos desequilibrados, onde as parceiras acabam assumindo uma posição de suporte emocional constante. Essas mulheres, além de lidar com suas próprias pressões e responsabilidades, se veem encarregadas de lidar com os efeitos da saúde mental negligenciada de seus parceiros.
Esse cenário cria um peso adicional para as mulheres, que já enfrentam uma sobrecarga significativa em suas vidas devido ao acúmulo de papéis: cuidadoras, trabalhadoras, mães e parceiras. Ao lidar com parceiros emocionalmente indisponíveis ou negligentes, muitas vezes elas acabam se sentindo solitárias dentro da relação, o que pode levar ao esgotamento emocional.
A masculinidade tóxica desempenha um papel crucial nesse problema. A ideia de que os homens devem ser “fortes”, “racionais” e “invulneráveis” inibe a busca por ajuda psicológica e impede que eles aprendam a lidar com as vulnerabilidades humanas. Essa pressão por um comportamento idealizado contribui para que muitos homens internalizem suas dificuldades e projetem frustrações no ambiente familiar, gerando conflitos ou afastamento emocional.
Além disso, é necessário reformular os ciclos sociais masculinos. Grupos de apoio e oficinas de educação emocional podem ajudar os homens a desconstruir padrões tóxicos e cultivar habilidades empáticas. Angela Davis sugere que a luta contra o patriarcado deve incluir a libertação dos homens de seus papéis opressivos, criando uma sociedade onde vulnerabilidade e empatia sejam valorizadas por todos os gêneros.
A apatia masculina e a normalização de inaptidões emocionais não são traços naturais, mas sintomas de uma construção social repressiva e doentia. A mudança exige um esforço coletivo, que passe pela desconstrução dos conceitos de virilidade e pelo incentivo a novas formas de expressão e convivência. Somente através da integração de valores mais humanos e igualitários será possível criar uma cultura masculina que acolha, em vez de reprimir, as complexidades da vida emocional.
Ao transformar a forma como a sociedade enxerga a saúde mental masculina, promovemos não apenas o bem-estar dos homens, mas também das mulheres que, historicamente, têm carregado os fardos deixados pela negligência emocional masculina. É hora de abrir espaço para um debate honesto sobre a saúde mental masculina e suas implicações para indivíduos, relacionamentos e a sociedade como um todo.
Mín. 23° Máx. 34°
Mín. 24° Máx. 32°
Chuvas esparsasMín. 24° Máx. 34°
Chuvas esparsas